A mulher da fotografia
A mulher – soube-se depois, na seção de obituário dos jornais, chamava-se Hannah, tinha quarenta e cinco anos, perdera o marido e os dois filhos no último bombardeio, não tinha mais casa nem amigos, procurava nos entulhos o que comer e era vista perambulando pelos destroços do que um dia foi a sua cidade – quase sorri para o fotógrafo, embora estivesse suja e coberta de trapos. Um lenço encardido ainda esconde seus cabelos.
Ela quase sorri no momento da fotografia, mesmo sabendo que o fotógrafo é um soldado do exército que destruiu sua cidade e sua família, e o que os soldados costumam fazer com as mulheres que sobrevivem às cidades destruídas. Ela quase sorri porque quer mostrar-se uma mulher digna, mas, mais provavelmente, porque aquele soldado que a mira com a máquina de tirar fotos ainda não percebeu que, dentro de seu punho cerrado, há a lâmina oxidada de uma faca. Ela quase sorri também porque vê que o pescoço do soldado está exposto, carne vulnerável e oferecida ao golpe. Não será difícil alcançá-lo.
Os jornais mencionaram que o soldado apenas se defendeu.
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