Cem, ou quase

Cem, ou quase, mas, se fecho os olhos, não dou por isso. Sei que continuam suaves, amorosas. Ainda são motivo de vaidade, e por isso nunca ficam sem cor, mesmo que não seja necessário, já que dali surge sempre um arco-íris de histórias. Gosto de olhá-las: em constante movimento, nunca quietas. Minha memória as traz lisas e então brancas, e os rios azuis, que hoje transbordam por elas, eram só pequenos riachos sem profundidade.
Comove-me olhá-las, assim, velhinhas, cheias de sulcos de trabalhos ancestrais, laboriosas sempre, e sempre ternas e delicadas. Não me importa que agora já não tenham direção quando apontam algo, e eu precise rodear a cabeça para adivinhar o que lhe chamou a atenção. Ou que, à causa de um tremor inesperado, a lava quente da colher ou mesmo o prato inteiro de sopa caia sobre a ilha de pão na toalha branca da mesa. Não me incomoda ter que varrer o chão depois do espetáculo que é vê-la se alimentando. Nada disso é um problema enquanto eu puder contemplar as mãos de cem, ou quase, de minha mãe.
Tags:cem, mãe, mãos
Que lindo…
Obrigado, Elaine. Grande abraço e tudo de bom a você.