Contos Mínimos # 901 a 910

901.
A mulher está inquieta, parece muito nervosa. Olha para os lados como se procurasse algo ou alguém. Segura um bebê nos braços, enrolado num cobertor puído. Vê-la na plataforma do metrô é muito perturbador. Não carrega mala ou sacola e a roupa que veste está esgarçada. Ouve-se o barulho do trem que se aproxima da estação e ela avança até a beirada com passos lentos, mas decididos, como se procurasse um lugar melhor para fazer o que se intui inevitável. O bebê rompe sua ação com um choro premonitório. A mulher olha fixamente para os trilhos. O apito do trem adquire um som muito familiar, que me retira bruscamente da cena e me devolve ao bip bip do telefone celular sobre o criado-mudo, no exato instante em que eu tentava ter um pesadelo.
902.
Dormiu e sonhou que podia voar. Acordou na manhã seguinte convencido disso. Tomou rapidamente o café e correu para a varanda do apartamento. Experimentou três sentimentos: decepção, medo e liberdade. Decepção por constatar que não podia voar; medo porque percebeu que a morte o esperava no asfalto, que a cada segundo se aproximava mais; finalmente, liberdade porque já não teria que se preocupar com as contas a pagar nem com a ordem de despejo. Livre, por fim livre!
903.
Depois de procurar muito e quase desistir, encontrou a peça maravilhosa. “É essa!”, disse para si mesmo. Preparou a arma com paciência sem tirar os olhos dela. A gazela, certa de seu destino, sentou-se mansamente na linha de tiro e o encarou. O homem, decepcionado, abaixou a arma sem disparar e seguiu caminho. Recomeçou a busca por uma presa que merecesse esse nome.
904.
Há, neste mundo de meu Deus, pessoas imprudentes que praticam o texto oral sem proteção.
905.
Depois de abrir o sarcófago com todo o cuidado do mundo, os arqueólogos ficaram petrificados ao descobrir que a múmia de Cleópatra tinha um Visa Platinum numa das mãos.
906.
— Prove estas bananas que comprei.
— Estão com gosto de morango.
— Exatamente! Foram modificadas geneticamente. Não é genial?
— É genial, sim, mas eu prefiro banana com gosto de banana.
— Sem problema. Então prove esta maçã.
907.
Ela se aproxima dele no balcão do bar.
— Você quer dormir comigo?
Ele não responde de imediato. Balança seu copo, meio cheio de algo transparente, sem gelo. Responde sem olhar para ela:
— Não perca seu tempo com um sujeito como eu. Você pode conseguir alguém melhor.
Ela dá uma longa tragada no cigarro:
— É, eu sei.
908.
Quem escuta a chuva como quem ouve chover não está escutando a chuva.
909.
Nas manhãs em que não chove saímos para passear arrastando as correntes. Rompemos o amanhecer com nossos passos cansados e vamos até o rio para nos lavar. Na volta, ajustamos os ferros de maneira que ninguém se machuque e cada um pega a sua enxada. Durante várias horas, sem parar, sob o olhar atento dele, cortamos o capim, aramos o terreno, afofamos a terra para o plantio. Em seguida comemos rapidamente e logo voltamos ao trabalho, até o anoitecer. Nos barracões, antes de dormir, rezamos em conjunto e depois, silenciosamente, cada um faz a sua oração individual. Eu peço para que o céu amanheça limpo na manhã seguinte e não caia uma só gota de chuva, pois só assim poderemos ir novamente até o rio. Quando nós aprendermos a segurar a respiração por cinco minutos, nadaremos até a outra margem. Ele, que não tira o olho de cima de nós, terá que decidir se descarrega sua arma em nossas cabeças ou se vem conosco.
910.
O presidente estava seguro de sua decisão. Entre conceder o perdão a um condenado à morte ou permitir que a execução seguisse adiante, sentia que seu poder era mais bem avaliado pelas vidas que tirava.
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